Fitas K7

Assunto extremamente polêmico dentre os colecionadores e de nenhuma importância para 99 % da população mundial. Todos sabem que a indústria da música tem atirado para todos os lados a fim de garantir o leite das crianças e uma forma de ganhar uns trocados extras é apostar na Nostalgia. Stranger Things, Star Wars e o filme do Queen estão aí para endossar o que eu digo.

Com a queda livre da venda de CDs, a volta dos discos de vinil pareceu um passo natural para àqueles ávidos pela música enquanto fetiche, um objeto a ser manuseado, ouvido ou apenas guardado numa instante. Porém, por que não dar mais um passo rumo ao passado? Os blogs musicais tem levantado a bola sobre o retorno das fitas cassete.

Eu confesso que tenho acompanhado sobre essa tendência de perto. Já fui um voraz colecionador (ou talvez ainda seja, vai saber), mas nos últimos anos fui curado da infinita necessidade de comprar todos os lançamentos importantes (ou nem tanto), a sede de encontrar o santo graal da semana perdido em algum sebo de discos ou numa loja especializada. Sem dúvida o grande catalisador dessa libertação foi uma assinatura no Spotify (outro assunto polêmico): ali encontro grande parte dos álbuns que eu preciso ouvir, além de poder divulgar de forma bacana os meus lançamentos ou da galera da Paranoia Musique.

Claro que eu ainda compro música no formato físico! Tenho um enorme prazer em torrar uma grana em coisas lançadas pelo Depeche Mode, ou Suede, Apoptygma Berzerk também. Mas a maioria dos CDs, LPs ou mesmo K7s adquiridos hoje por este que vos fala são via Bandcamp. Traduzindo: Bandcamp sem dúvida é a maior plataforma de venda para artistas independentes. Você joga seus mp3 ou discos ali, monta a página da sua banda e tenta vender seu material. O site já movimentou milhões de dólares e os artistas puderam ganhar o seu sem precisar assinar nenhum contrato com ninguém.

E sabe o que muita gente vende no Bandcamp? Isso aí, cassete. E é fácil entender os porquês: ao contrário do vinil que custa muito dinheiro, o K7 tem custo baixo e em alguns casos pode ser feito até de forma caseira e artesanal. As fábricas de fitinhas produzem em cores diversas, transparentes, em caixa de acrílico ou embalagens customizadas… Os bichinhos ficam bonitos. Por último, o fator retrô agindo mais uma vez nos lembrando das fitas demo vendidas em shows e das mixtapes (nome gringo e hype) que eram gravadas para quem queríamos impressionar.

Álbum dos amigos norte-americanos do Foxxxy Mulder

Muita gente odeia as fitinhas. Dizem que o som não presta, dá destaque exagerado para os agudos ou que as fitas perdem a gravação gradualmente no contato com o cabeçote. Fora o já clássico: a fita enrola no som e todos com mais de 30 anos sabem como isso é uma merda. Fiz um curso de produção de áudio faz uns dois anos e houve essa discussão na aula sobre formato versus qualidade. A qual conclusão cheguei ao ouvir sobre o assunto? O CD seria o campeão (e foi herói por anos) se não tivesse passado por duas crises: falta de profissionais qualificados na masterização do formato em sua infância e o famigerado “Volume Wars” (assunto esse que já foi polêmico) na sua adolescência. O vinil acabou dando a volta por cima nas mãos dos hipsters e dos curiosos que engrossaram as fileiras dos antigos entusiastas. Claro que não há unanimidade sobre essa discussão e com certeza existe uma verdadeira legião, uma horda, que defenderá o vinil em diversas frontes, sejam técnicos, afetivos, místicos, religiosos…

Ao contrário dos fãs dos bolachões (hum, por que alguém fala bolacha? Outra coisa que também acho cafona), sempre me dei bem com as “tapes”. Tenho ciência de que fui introduzido na música mais cedo do que meus amigos na época, e isso com certeza se deu por ter primos mais velhos. Frequentar as suas casas para ouvir discos ou ir a festinhas hi-fi (meninos levam refrigerante e meninas salgado) foi a virada da chave. Nesse período, minha mãe já havia se separado e morávamos na casa dos meus avós. Meu avô tinha um enorme aparelho de som, montado dentro de um móvel cinza chumbo específico para ele, onde era possível ouvir fitas e LPs. O belo aparelho tinha um amplificador, um mixer com diversos canais (um técnico foi contratado para equalizar os canais, que nunca foram mexidos desde então) e era protegido contra poeira por uma porta de vidro frontal. Eu entendo a tara que o povo tem por carro porque eu tinha a mesma coisa por aquilo.

A melhor parte? Raramente ele era utilizado pelos meus avós e não tínhamos permissão de colocar nenhum disco naquela Ferrari Testarossa sonora. Como criança não tem limites mesmo, eu e meu irmão ouvíamos rádio e muita fita nele, mesmo sendo proibido. Como isso era fonte constante de aborrecimentos, minha mãe numa sábia decisão resolveu comprar um Boom Box com dois decks no intuito de encerrar a dor de cabeça que ela deveria passar. Não era tão maneiro quanto o do Faça a Coisa Certa, mas era perfeito para gente.

Isso tudo aconteceu no finalzinho dos anos 80. Minha mãe havia viajado para Foz do Iguaçu e sabe como é, né? Quem vai à Foz também vai ao Paraguai. Esse passeio resultou numa enorme quantidade de Basf 90 e foram horas esperando pra dar o REC nas músicas certas da RPC ou Transaméeeeeerica. Memória é coisa liquida mesmo, mas me recordo com alguma margem de certeza artistas gravados nessas fitas: Erasure, Titãs, Pet Shop Boys, Rita Lee, uma apresentação do Faith No More na já citada Transamérica (ou outra rádio) onde o Mike Patton estava extremamente mal humorado… Talvez um Strangelove ou Legião Urbana, vai saber?

Uma coisa que as gerações mais novas jamais saberão é como cantar uma música e falar o slogan da rádio no meio dela. Não sei se essa prática ainda é comum porque raramente ouço rádio hoje em dia (apesar de que a Cidade parece ter virado uma opção viável), mas eles tinham o péssimo hábito de inserir os tais slogans no meio das músicas. Deu azar de gravar aquele hit quando isso aconteceu? A porcaria do “Uma hora só de som” ou “A rádio rock” vai virar parte da letra, ao menos na sua cabeça. Mas podem ficar tranquilos porque o dano não é permanente.

As primeiras fitas “originais” que ganhamos foram apenas em 91. Fomos ao mercado com minha mãe e ela permitiu que escolhêssemos cada um uma fita para levar. Como vivíamos a febre do Rock in Rio II, o Marcelo catou o primeirão do Information Society e eu me agarrei no World Clique do Deee-Lite. Esse ato de carinho acabou se tornando frequente e muitas das visitas ao finado mercado Sendas (que virou Bon Marché e hoje é Extra), nos permitia aumentar a coleção. Falando em Sendas, comprei uma quantidade enorme de boa música no local, até lançamentos importados como o single de Enjoy the Silence… Indago-me até hoje de como foi parar ali.

Assim como todas as mães de então, o nosso toca-fitas pertencia aos dois e dividíamos a coleção das fitas, mas algo curioso ocorreu: meu irmão perdeu o interesse. Eu utilizava o rádio sozinho e acabei anexando com pouca ou nenhuma resistência as fitas que pertenciam a ele. O Marcelo sempre foi uma pessoa que teve interesses diversos e uma antiga paixão deveria dar espaço para a nova. Hoje, um homem feito, é fácil notar que a família e a fotografia são suas paixões duradouras. Desde então era tudo meu: Angel Dust do Faith No More ou Singles I & II dos Smiths, passando por Tears Roll Down do Tears For Fears e Black Celebration e Speak & Spell do Depeche (dentre tantos outros).

Eu e Marcelo…não perguntem quando.

Custei a migrar para o CD. Gostava muito dos cassetes e como minha mãe já havia me comprado um segundo toca-fitas, não tivemos um CD player tão cedo. Pelo menos até o momento em que os compact-discs canibalizaram as fita k7 e vinil virou sinônimo de lixo.  Hoje minha relação com as fitas é outro: compro para dar continuidade ao trabalho dos amigos, mas também como peça decorativa ou o nobre, porém inútil, objeto de coleção. Mas com a volta dos walkmans da Sony, quem sabe eles não ganham uma utilidade?

Hum, acho que não.

Introdução

A pergunta que passa na cabeça de todos nesse momento, incluindo a minha, é: Por quê? Por que deixar de lado drum machines, synths ou CDJs para tecer algumas linhas as quais talvez não interessem a ninguém? Ego Trip? Talvez, mas nem de longe é o motivo primordial.

Desde muito novo eu sempre quis ser muitas coisas que obviamente foram mudando ao longo do tempo. Se o meu banco de memória não pifou permanentemente, na primeira vez em que fui questionado sobre o que desejava ser ao me tornar adulto, a Arqueologia deve ter sido a resposta. Uma ideia boba diretamente influenciada pelas aventuras de Indiana Jones contra nazistas em desertos africanos, mas confesso que não posso mensurar até que ponto isso foi determinante para estudar e me formar em História. Poucos anos depois, eu me imaginava como diretor cinematográfico (não ator, diretor), provavelmente deslumbrado com os contos narrados nas películas e toda a pompa típica de Hollywood. Fiz até vestibular para faculdade de Cinema na UFF, porém acabei ingressando mesmo em outra Federal aqui no Rio. Mas de todos esses desejos o que realmente colou foi a minha relação com a música. Primeiramente como DJ e um pouco depois atuando em bandas (tenho problemas com a palavra músico, sei lá… acho cafona), esse sempre foi e ainda é o motor que me move.

Quando assistimos ao filme sobre as Runaways (aquele com a menina do Crepúsculo), Suzana falou algo que até hoje ecoa:

“Existem pessoas que possuem um bichinho dentro delas, um combustível o qual é a força para que elas nunca parem de correr atrás dos seus desejos.”

Mesmo referindo-se à Joan Jett, eu gosto de acreditar que vale para mim também. Gastar tempo e dinheiro em música alternativa no Brasil é algo para poucos porque o retorno financeiro, quando existe, geralmente é muito pequeno e a luta por algum reconhecimento sempre árdua. Já ouvi inúmeras vezes as afirmações de que se morasse nos Estados Unidos ou tivesse nascido europeu meu trabalho teria maior repercussão. Esse tipo de pensamento, mesmo reconfortante, tem pouca validade prática e sinceramente, fama ou glória não é o que me motiva hoje aos 40 anos de idade. Prefiro prender-me a ideia do inevitável, aquilo o qual proíbe acomodar-se e desistir, impulsionando a mim mesmo e outros nessa onda da música e arte voltada para pessoas que fogem do comum, dos personagens que caçam o diferente e querem formar uma comunidade onde as referências são outras: menos ditadas pelo marketing e mais por algo maior e significativo. Ou tudo isso é muita caôzada (desculpem pelo carioquês) e o motivo real seja apenas a diversão… Well, também é uma excelente justificativa.

Voltando a pergunta do início dessa introdução, por quê? Usando a linguagem mais acadêmica à qual me habituei quando escrevi minha monografia de conclusão de curso (sobre uma dupla de cantoras adolescentes neonazistas), acho válido destacar alguns pontos importantes para essa tomada de decisão:

O livro “Mordidas Sonoras” do Alex Kapranos (Franz Ferdinand) sem dúvida é a fagulha. Comprei o livro quando de seu lançamento (2007?), mas como muitas outras obras eu vim desfrutá-la apenas agora. O cara narra suas aventuras com a gastronomia, seja na infância, seja nas turnês ou mesmo quando trabalhou em restaurantes antes da fama global. A escolha de separar os capítulos em capsulas de memória, sem uma ordem cronológica ou mesmo conexão com os capítulos anteriores, é muito feliz. Confesso a inveja e devo roubar esse formato.

Um segundo motivo importante é o incomodo que sinto com a escrita digital. Explico: na condição de pessoa mais experimentada (sinônimo de velho) passei por fases diversas: escrita a mão, em máquina de escrever (acreditem), no computador e agora com smartphones. Sei lá, por causa das redes sociais, nunca deve ter se escrito ou lido tanto quanto hoje, mas não acredito que isso se traduza em qualidade. As palavras na web atualmente são muito semelhantes ao discurso oral, enorme comprometimento com a mensagem, mas pouco caso com a forma ou fluidez. Vejo isso em outros e em mim, uma maldição herdada por todos que precisam digitar em minúsculas teclas de pequenas telas pretas. Encaro esse trabalho como um exercício, uma quebra desse obscuro paradigma.

Por fim, eu sempre fui atraído pelo texto. Imaginei-me escritor algumas vezes e cheguei a lançar online um conto escrito quando passei férias em Juiz de Fora. Mesmo tendo feedback positivo de alguns internautas à época, ainda me sinto inseguro em nadar nessas águas. Conforme conversei com Claudio Borges recentemente: alguns são verdadeiros maestros das letras, outros possuem uma enorme máquina onde é possível valer-se de revisores ou mesmo ghost writers para difundir sua imaginação ou observação. Certamente não conto com a segunda opção e tenho dúvidas quanto a pertencer à primeira. Entretanto, fui inseguro em muitas coisas na minha vida por muito tempo e hoje acredito que não devemos nos prender nessas falsas barreiras. Então, vou arrumar um tempo entre festas, gravações, casamento, trabalho e shows para relatar algumas experiências ou divagações ligadas a música.

É isso.