Anti-Pop Art

Espero de verdade não transformar o blog num daqueles armários velhos, cheiro de mofo e lotado de peças do passado. Porém, terei que me deparar mais uma vez com tempos antigos porque nesse último sábado comemoramos 15 anos do primeiro lançamento do Cubüs. Então, perdoem-me porque esse é o momento de vender o meu peixe.

Em 2003, visitas ao Junior Flutuante (que infelizmente partiu cedo demais em 2017) eram bem frequentes. Ele trabalhava numa das várias lojas de CDs dentro do Ilha Plaza e sempre batíamos papo no estabelecimento. Como constantemente fazia pedidos de muita música eletrônica e bandas alternativas (ou indie para quem for mais jovem), eu não era o único a possuir esse hábito de encontrá-lo. Nesse mesmo ano, o Junior foi o intermediador para que eu conhecesse o João Pedro. Sob a desculpa de termos algo em comum (musicalmente), a conversa transformou-se rapidamente na ideia de formarmos uma banda.

Desde minha adolescência, quando fiz aulas de teclado, eu ansiava criar música. Fiz algumas tentativas frustradas de gravação dentro do banheiro de casa com meu teclado, somado ao tal Boom Box que citei em um dos posts anteriores e nenhuma experiência ou bom senso. Mas a vontade havia adormecido porque não encontrava parceiros que pudessem acompanhar-me, não ao menos que topassem construir algo da maneira que eu tinha imaginado.

Na época, eu estava aprendendo a usar o FruityLoops (um sequenciador digital que virou febre no meio EDM anos depois) e, por sua vez, o João tinha aquela coisa de poeta e achava ser o Thom Yorke dos trópicos. Lembro que numa fração de segundo eu já era tecladista da banda Mata Hari (que posteriormente homenageamos numa das canções do Cubüs) composta também pelo João como vocalista e letrista (muito melhor na segunda categoria do que na primeira), William Galdino – o baterista que só possuía um prato achado na lixeira, e mais dois integrantes que não me recordo o nome ao certo (o guitarrista se chamava Odilon? A memória foi pras cucuias mesmo).

Desde os primeiros ensaios eu percebi que a coisa não ia andar: os gostos pessoais eram muito distintos, indo do Sisters of Mercy e Depeche Mode, passando por Radiohead, Marylin Manson e Ramones (essas são as influências boas) e descambando em KLB e música pop do Domingão do Faustão (é sério, acreditem). Fora que as condições não eram favoráveis: aquela falta de direção, além do comprometimento bem baixo. Todos sabiam que não ia durar mais que 3 ou 4 ensaios.

O fim de nossa breve empreitada deu-se de uma forma simples, as pessoas apenas deixaram de lado, sem criar alarde sobre o término da nossa relação “profissional”. Preparado para o retorno a minha rotina, o João me fez uma proposta um tanto indecorosa: formar uma dupla eletrônica.

Duo eletrônico é o mais velho clichê do universo dos sintetizadores. Posso citar dezenas de grupos europeus ou americanos que se valeram de um cara (ou garota) nos teclados e outro(a) no microfone. Duvida? Erasure, Pet Shop Boys, Suicide, Soft Cell, Adult, Eurythmics, Blancmange, Red Flag, Cause & Effect, The Knife, Indochine, La Roux, Light Asylum… Acho que deu para entender, não é? Havia chegado o momento, agora o bagulho tinha ficado sério.

João e Diego

Esse final de 2003 / início de 2004 foi bem intenso porque eu precisava administrar trabalho, namoro e um ritmo acelerado de composições. Ensinei o João a utilizar o tal Fruity Loops e além das letras, ele me encaminhava constantemente arquivos e mais arquivos de música eletrônica abstrata, com fortes inspirações Techno ou Trip Hop. Somados aos sabores industriais que eu era afeito então, estava formado o embrião dessa aventura.

Não sei se isso é culpa do meu lado historiador ou se sempre fui compulsivo, mas quando me interesso por um determinado assunto, preciso tornar-me uma enciclopédia sobre a questão. Fui assim com os Transformers e outras animações 80s, da mesma forma busquei muito sobre sintetizadores ou sobre estilo musical X ou Y. Apesar de todo o suporte que os caras tinham das gravadoras, fico maravilhado como se produziu música eletrônica de excelente qualidade nos anos 70 e 80. Os artistas se valiam de instrumentos muitas vezes rudimentares e tiravam mesmo leite de pedra. Porém, no início dos anos 2000, as chamadas DAWs (programas de gravação de áudio digital) estavam longe do avanço que temos hoje e, de certa forma, posso me rogar o orgulho de ser um dos desbravadores dessa era web, das bandas independentes que se propagavam via mp3.

 O Fruity Loops era (e ainda é) uma excelente ferramenta e todas as composições do início da banda eram criadas a partir do “App”, mas já não existia a mesma facilidade na hora de gravarmos vocais ou teclados. Placas de som de boa qualidade eram extremamente caras e nossos recursos poucos, além de desconhecermos todo o processo da gravação. Vivíamos sob a égide do DIY (faça você mesmo) porque simplesmente não havia alternativa. Nossa primeira e única visita a um estúdio se deu com a ajuda do Bráulio Jorge que abriu as portas do seu local de trabalho por poucos trocados e um jogo de computador. Em retrospecto, tudo na banda era bem amador, mas tentávamos agir como profissionais. Depois de muito sufoco, gravamos vocais e teclados de duas músicas: “Adore” (a primeira música que escrevi na vida) e “O Construtor” que tomava emprestado um “riff” criado na minha breve participação no Mata Hari.

Em pouco tempo, compomos mais algumas tracks instrumentais, fiz alguns remixes e no dia 30 de março de 2004 lançamos no finado e saudoso site Fiberonline o EP “Anti-Pop Art”. Nosso pequeno e estranho filho foi o debut no titânico mundo da indústria musical. Naquele tempo, atrair a atenção de um público sedento por música gratuita era um pouco mais fácil. Além dos já habituais P2P (Napster, Emule, Kazaa e o meu favorito: Audio Galaxy), existiam algumas opções de download legal (no sentido jurídico). Nesse caso, eram plataformas onde os artistas independentes podiam hospedar seus mp3 e rezar para cair no gosto de alguém. Uma das mais conhecidas no Brasil foi a Trama Virtual (“descobridores” do Cansei de Ser Sexy), mas decidimos inicialmente por um especializado na nossa área de atuação.

Hoje eu considero esse nosso trabalho inicial bem amador e imperfeito, mas ao mesmo tempo acredito que as faixas portavam seu valor, mesmo prejudicadas por uma produção (ou falta de) pouco profissional. Contudo, mesmo assim, muita gente baixou o trabalho. O Fiberonline comportava uma imensidão de artistas muito competentes, e ainda assim escreveram sobre nós. Conseguimos figurar no Top 10 do site algumas vezes e parecia estarmos prontos para o próximo passo. Um Show.

Três pessoas foram muito importantes para nossa primeira apresentação em dezembro de 2004:

Raf Guimarães – amigo das noite góticas que articulou para que conhecêssemos:

Maurício Gouveia – dono do sebo “Baratos da Ribeiro” e promotor cultural underground.

Karlos Junior – líder de outra banda do estilo (Technofactor), também residente da Ilha do Governador e companheiro de palco nesses primeiros passos.

Sobre a primeira apresentação da banda, eu poderia escrever um livro contando todas as surreais histórias ocorridas naquela noite, mas vou limitar-me a copiar e colar um texto de poucas palavras de quando o citado Mauricio postou essa foto no Facebook:

Baratos da Ribeiro (Copacabana) // 18 Dezembro 2004

“Nessa época eu ainda usava o meu primeiro teclado (um Roland E-12) que me acompanhava desde os 15, 16 anos.

Algumas das músicas mais “electro” da banda atraíram os frequentadores do Bar ao lado porque eles acharam que lembrava o funk carioca (talvez um disco punk funk, quem sabe?). Reza a lenda que eles nunca haviam entrado na livraria.

Algumas pessoas legais que conheci depois estavam nesse dia e lembram-se do show até hoje. Uma delas, um quadrinista famoso no meio indie (pai da menina infinito) diz que um dia fará uma HQ sobre essas apresentações.

Momento Twin Peaks: um senhor sem braço com gorro do Papai Noel era um dos mais animados e gritava “rock & roll” constantemente (mas não usávamos guitarras)”.

Nosso início feliz se ruiria em alguns poucos meses. A terceira apresentação ao vivo, junto com o mesmo Technofactor e participação da Orquestra Ektoplasma (banda do Servio Tulio do Saara Saara), gerou um fruto doce, porém maldito. Fui contatado por um jornalista do Jornal do Brasil ansioso em entender essa nova onda eletrônica que acontecia no Rio de Janeiro. Quase ao mesmo tempo, recebemos convite do Gonçalo Vinha para participar de uma coletânea de Electro da MTV (isso mesmo, MTV). Juro, eu acreditei mesmo que me tornaria um astro aos 25 anos de idade.

Como o prazo de entrega era bem curto (uma semana), mandamos “Mata Hari” que fazia parte do nosso primeiro EP com o objetivo de figurar nesse lançamento. O Gonçalo gostou da música, mas queria algo com vocal. Aquela coisa de musica instrumental eletrônica estava morta e a MTV apostava nas novas direções, com vocais e estrutura de música Pop. Ao invés de encaminharmos Adore, decidimos gravar uma faixa nova que o João estava compondo. Fomos auxiliados pelo Claudio Borges (portador de pitacos certeiros) e guitarra e produção do Raf Guimarães (incorporado ao grupo depois do nosso terceiro show) para gravarmos a derradeira música do João: “(Não Há) Nada Que Me Faça Voltar”.

Imagina compor e gravar uma música em uma semana? Imaginem as cobranças de construir quase do zero uma canção boa o suficiente pra ser lançado em CD de uma grande gravadora? Finalizamos faltando um dia para encerrar o prazo de entrega e enviamos, para termos apenas um agradecimento e uma resposta negativa. Nem culpo o Gonçalo, NHNQMFV fugia totalmente do que ele pedia. Enviamos um arquivo impregnado da música escura e esfumaçada, irmã mais nova do Portishead e do Massive Attack, sendo que o objetivo era algo mais voltado ao hedonismo kitsch da Miss Kittin ou Felix Da Housecat. Por sua vez, o repórter do JB nunca mais entrou em contato e estavam findados meus planos de dominação global.

Em pouco tempo, João anunciou sua saída. Estava desmotivado com as cobranças, pelo fim do nosso ritmo de trabalho descontraído e divertido. Uma pena porque “(Não Há) Nada Que Me Faça Voltar” foi um dos seus melhores trabalhos: Escreveu grande parte da música, grafou uma de suas melhores letras e finalmente estava sentindo-se a vontade com os vocais. Suzana afirmou ser a primeira vez em que havíamos feito música de verdade (vindo de uma pessoa bem crítica, encaro como elogio). A saída do João foi o prefácio do fim do Cubüs.

A banda retornaria mais tarde em 2008, mas isso é papo para outra história. De qualquer forma, “(Não Há) Nada Que me Faça Voltar” e “Adore (1.5 Remix)” estão na coletânea dos 15 anos da banda e são exemplos de toda essa narrativa relatada aqui. Ouçam e tirem suas próprias conclusões.

Por Todos Esses Anos (2004-2019)