Nesses tempos polarizados em que vivemos, toda semana rola uma nova polêmica nas redes sociais. Uma vez na fila do restaurante ouvi um grupo de engravatados afirmar que as eleições (de 2014) haviam quebrado o Facebook. Talvez eles estivessem corretos e a ideia de um diálogo racional não seja mais possível entre certos grupos de pessoas. Bem, seguindo o fluxo das tretas e desentendimentos, por que não começarmos a semana com uma das bandas mais controversas de todas?
A vinda do Dead Kennedys ao país gerou uma onda de comentários. Jello Biafra não estar mais na banda deixa uma parcela considerável dos fãs desconfortável, temerosos com o oportunismo dos outros integrantes. Nos anos 90, os Sex Pistols souberam capitalizar a questão na sua turnê de retorno, afirmando em forma de chacota: “In it for the Money”.
Muitos têm dificuldades com a partida do vocalista, imaginando que a alma tenha se esvaído. Talvez porque a emoção e o sentimento na música pop sejam mais facilmente percebidos através das letras e na forma como o cantor decide interpretá-las. Concordo em muitos casos… Você consegue imaginar The Cure sem Robert Smith? Smiths sem Morrissey? Legião Urbana sem Renato Russo? Ok, esse último foi feito, mas vocês entenderam, não é?
De qualquer forma, essa questão passaria batida se não fosse por esse cartaz.

Como era de se imaginar, em um primeiro momento, o pôster foi viralizado por fãs e desgostosos com nossa configuração política atual. E obviamente, no instante seguinte, uma massa de roqueiros conservadores repudiou o mesmo com aquelas velhas máximas testemunhadas na visita do Roger Waters ao Brasil: “Gosto da música, não ligo para as letras”; “Rock e política não se misturam”; “A esquerda quer lacrar”; blá blá blá.
Temerosos pela repercussão gerada por uma simples imagem, a banda tratou de se desculpar e informar que não tinham conhecimento da arte e não estavam aptos a falar sobre questões políticas de outros países. A desculpa soou estranha aos ouvidos de muitos e, até onde tomei conhecimento, os próprios fizeram uma segunda declaração, agora apoiando o desenho.
O que direi não é nenhuma novidade e já foi exposto por muita gente, mas certas subculturas e nichos no mundo ocidental tem se transformado paulatinamente em redutos do conservadorismo, muitas vezes movidos por misoginia, racismo ou um anticomunismo desvairado. Grupos antes segregados por suas posturas e visões, hoje compactuando com um discurso excludente. Dos que tenho contato mais próximo, Nerds e Headbangers são os que me saltam aos olhos.
O que isso pode significar? Tenho algumas teorias. Alguns desses grupos cresceram e se popularizaram ao ponto de atingir as massas, viraram hegemônicos. Enquanto adolescente nos anos 90, ser chamado de Nerd era um xingamento, um rótulo pouco desejado. Eu não permitia ser chamado dessa forma mesmo pelos meus amigos nerds. Hoje, todo jovem é meio nerd. Avistar pessoas trajadas com camisetas do Star Wars ou dos Vingadores é algo bem normal e os produtos culturais voltados a esse segmento (filmes, jogos, séries) são uma fonte infinita de dinheiro. Quando a coisa cresce dessa maneira, você incorpora todo tipo de opiniões e filosofias.
No caso do Rock, eu já tenho uma visão oposta: o gênero tem encolhido e se transformando em um reduto masculino da meia idade. Os jovens rebeldes que compravam discos e compareciam aos shows hoje são quarentões com um “mindset” bem diferente, dopados por grandes doses de reacionarismo. Roger e Lobão estão aí e não me deixam mentir.
Toda generalização é burra e a que estou fazendo aqui também é. Existe muita gente legal contrária a essa visão tacanha de mundo. O problema não é a postura do Dead Kennedys! Os caras estão nessa batalha por quase quarenta anos e já cumpriram o seu papel. O problema é não darmos destaque a quem carrega essa tocha hoje. O Pussy Riot veio ao Brasil e vi pouquíssimas postagens sobre isso. As garotas lutaram contra o Putin e a Igreja Ortodoxa, foram presas e nem demos muita bola. O feminismo anti-establishment das russas não é equivalente à postura anárquica do hardcore californiano dos anos 80? Ou nos tornamos muitos velhos para aceitar demandas que não são as nossas?