Concedi essa entrevista ao pessoal da DecaDance e acho que vale como post do blog. Segue na íntegra esse nosso bate papo:
É com muito orgulho que o //Decadance Festival// recebe um projeto CUBÜS. Sua música transita entre o experimental, minimal wave e synth pop… Diego de Oliveira (“cérebro do projeto”.) é um entusiasta da música alternativa; é idealizador de alguns projetos na cena alternativa do Rio de Janeiro e mantém também o selo Paranoia Musique cujo cast nos agrada bastante!
Segue uma breve entrevista que fizemos com ele, onde fala um pouco sobre tudo isso.
1 – O CUBUS COMEMORA ESTE ANO 15 ANOS DO LANÇAMENTO DO SEU PRIMEIRO EP DE DEMOS. CONTE UM POUCO DO COMEÇO DO PROJETO E QUAL A RELAÇÃO DA BANDA COM A CHAMADA NOVA “CENA POST PUNK” E “MINIMAL SYNTH”.
Sei que vai soar clichê, mas a banda surgiu meio que por acaso. Em 2003, eu já discotecava há alguns anos nas festas góticas do Rio quando conheci o João Pedro (vocalista original do Cubüs) por intermédio de um grande amigo nosso. Aprendi a tocar teclado na segunda metade dos anos 90 e desejava formar uma banda eletrônica calcada nos meus heróis da década anterior, música pop com sintetizadores e drum machines, mas sem sucesso até então. Quando nos conhecemos, sentimos uma conexão imediata e em pouco tempo já planejávamos nossos primeiros passos.
Nosso gosto em comum por música alternativa / underground somados aos autores que líamos foram o ponto de largada. O primeiro EP do Cubüs chamado “Anti-Pop Art” (que hoje está fora de catálogo) já apontava para essa coisa meio dark, meio underground que desenvolvi ao longo dos anos. Mas ao contrário de muitos dos nossos contemporâneos, a regra era não nos prender a estilo A ou B, mas agregar o que achássemos interessante. Consumíamos bastante synthpop, industrial, trip hop, electro, rock alternativo e música experimental naquele período que casaram com os “poemas malditos” escritos pelo João.
Sempre fomos adeptos do DIY (até por falta de opção) e aprendemos na marra como compor e gravar. O início dos anos 2000 foi marcado pelas primeiras bandas (sem contrato com gravadoras) divulgando suas músicas em sites como Trama Virtual ou Fiber Online. Então, a divulgação e gravação digitais ainda eram uma novidade e descobrimos na prática como nos virar porque não existiam regras ou manuais para isso.
Quando lançamos nossas primeiras músicas, recebemos boas críticas de alguns sites e fomos enquadrados na época numa “nova cena synth” carioca (que não sei se de fato existiu). Após nossa apresentação em 2005 com a “Orquestra Ektoplasma” (projeto do Servio Tulio do Saara Saara) fomos abordados por um repórter do Jornal do Brasil sobre uma possível pauta e, quase ao mesmo tempo, fomos convidados para participar da coletânea “Amp MTV Electrobreaks” que seria lançada no mesmo ano. Por motivos diversos, ambas as coisas não aconteceram e isso causou uma frustração para nós e, dessa forma, o João acabou saindo para se dedicar a carreira de escritor. Desde então, eu sou o comandante e único membro fixo.
Nesses quinze anos de existência talvez seja a primeira vez que me encaro como parte de uma cena. Eu ainda acredito que as composições do Cubüs giram em torno do ideal de não se prender a estilos específicos ou copiar sonoridades, mas percebo que mais e mais jovens se voltam para as mesmas referências que eu tinha em 2004, deixando de lado laptops e compondo com synths, guitarras e baterias eletrônicas. Conheci muita gente legal nesses últimos anos e encaro a cena como um grupo de pessoas criativas e apaixonadas tentando se ajudar, disseminando uma arte pouco convencional, bem menos massificada.
2 – DE ONDE PARTIU A IDEIA DE MONTAR O SELO PARANOIA MUSIQUE?
O primeiro álbum do Cubüs saiu em 2016 (Caridade & Sadismo) e eu parti para uma tática agressiva de divulgação entrando em contato com gravadoras e mídia alternativa. Por quatro anos eu fui integrante na banda “As Amigas de Plástico” (post-punk e psicodélico aqui do Rio) e aprendi com o Raf Guimarães que “vender” a música é tão importante quanto criá-la.
Mesmo tendo participado de coletâneas maravilhosas organizadas pelo “The Blog That Celebrates Itself” ou “Deepland Records”, eu via como era difícil abordar um selo para oferecer sua música. Existe uma barreira natural com os gringos quando se canta em português e o cenário nacional é muito mais difícil, os recursos são mais parcos e os canais de divulgação underground mais escassos.
Além disso, eu percebia como poucas festas no Rio abriam espaço para as bandas se apresentarem. Entre 2016 e 2017 eu devo ter tocado em todas as festas locais que se propunham a receber bandas e senti a necessidade de fazer algo para mudar isso, tentar crescer esse cenário.
Dessa forma, a Paranoia Musique surgiu atuando em duas frontes: festa sempre com DJs e Bandas e um selo para ajudar na divulgação dos sons legais que eu descubro online. Até o momento, já foram 14 lançamentos (entre coletâneas e álbuns) e diversas festas com shows de uma galera muito bacana como 1983, Gangue Morcego, Poëtka, The Knutz, Cubüs e também Arte no Escuro e Ocaso em parceria com o super bróder Armando Louder do Imusy.
Para quem gosta de spoilers, além do evento com Masquerade, Virgin in Veil e Poetisa Dissecada no final de junho no Rio, a Paranoia Musique também lança no final de maio o quinto volume da sua já tradicional coletânea com nomes do Brasil e exterior. Talvez ainda cedo para falar, mas podem se preparar para algumas novidades com a Gangue Morcego, Quântico Romance e Cubüs.
3 – COMO O PROJETO VÊ O RECENTE “APOGEU” DA MÚSICA ELETRÔNICA/OBSCURA ATUAL? VOCÊ ACHA QUE A NOVA ONDA MINIMAL WAVE E RETRO WAVE (SELOS, BANDAS) DE ALGUMA FORMA AJUDOU A DAR NOVO “GÁS” A CENA ALTERNATIVA QUE ESTAVA MUITO ESTAGNADA ATÉ A METADE DOS 2000?
Sem dúvida. Essa cena obscura eletrônica (ou dark, ou gótica, ou o que preferir chamar) havia se distanciado daquela experimentação da coldwave / minimal wave dos anos 70 e 80 e caído tardiamente nessa onda industrial / trance que até hoje fazem a cabeça de muita gente. O problema é que depois de alguns anos essa cena “harsh” EBM / Future Pop começou a ficar sem imaginação, repetindo-se em fórmulas já cansadas com artistas que não tinham muito a dizer, salvo raras exceções.
Como eu disse anteriormente, talvez influenciados pelos sons descobertos em lojas de vinis usados ou pelo apelo dos synths analógicos, os jovens hoje olham para os mais diversos estilos (Post-Punk, o revival Electroclash do final dos anos 90, Synthpop) com o intuito de produzir algo que soa retro ou vintage, mas ao mesmo tempo dialoga com essa geração pós-Facebook. As diversas novas bandas e selos são a prova de que essa cena existe e tem valor. E ao contrário da geração 2000 que parecia estar restrita à própria cena, hoje notamos que os novos artistas underground conseguem influenciar mais uma vez o mainstream. O clipe super gótico do MGMT está aí e não me deixa mentir.
Por fim, os novos fãs garantem a continuidade de um tipo de sonoridade e cultura que antes estava fadada à extinção devido ao envelhecimento da cena. É bom ter sangue novo para dar uma sacudida nas coisas.
4 – VEJO QUE VOCÊ TEM TRAZIDO UMA NOVA CARA CENA CARIOCA… UM NOVO AR ESTÉTICO TAMBÉM É MUITO PRESENTE NESTA “ONDA ATUAL” – SEJA NA APRESENTAÇÃO DAS CAPAS DOS DISCOS, O INTERCAMBIO ENTRE SP E RIO NESTE QUESITO TEM DADO BONS FRUTOS. COMENTE SOBRE ISSO.
Fico feliz em participar dessa renovação e ser reconhecido como um dos fatores de integração nesse momento. Existe toda uma rede de pessoas (festas, bandas, entusiastas) que se mobiliza para essa oxigenação da cena e sou grato por participar dessa balbúrdia (como diriam nossos míopes governantes). É difícil quantificar se nossos esforços produzem resultado ou se ao menos são relevantes, mas correr junto com todo mundo que tenta melhorar o panorama cultural da cidade vale a pena.
Sendo um tanto controlador em relação ao que produzo, eu gosto de participar o máximo possível de todo o processo criativo. No Cubüs ou na Paranoia Musique, as fotos e vídeos utilizados foram criados por mim ou pela minha esposa Suzana (que é parte fundamental em boa parte dessa produção) e algumas tiradas pelo meu irmão. Também utilizo ocasionalmente acervo copyleft quando há necessidade. Contudo, ao nos valer de material alheio, sempre o “remixamos” para deixá-lo mais próximo dessa visão que possuo.
Toda cena tem uma estética, uma forma de se expressar graficamente. Por muito tempo as artes eram voltadas para temas sobrenaturais ou futuristas e hoje retornamos a essa imagética minimalista, com muitas formas geométricas e a quase total ausência de cores. Mesmo sendo referência, eu tento não me limitar somente a esses modelos. Busco inspiração em outras fontes, o imaginário psicodélico ou na fotografia do início do século XX são alguns exemplos, como uma forma de criar algo diferente. Confesso ficar radiante quando alguém elogia as capas ou diz que gostou de algum flyer.
Por último, a dobradinha Rio / São Paulo não poderia ser melhor. Sempre sou muito bem recebido quando toco na terra da garoa e me diverti bastante todas as vezes que toquei por aí. Trazer o 1983 ao Rio e poder utilizar muitas canções feitas pela galera de SP é uma forma bem bacana de diminuirmos os bairrismos e pensarmos essa movimentação cultural não enquanto cidades, mas como país. Espero no futuro poder me conectar de forma mais forte também com outros artistas fora desse nosso eixo Sudeste.
4 – DE ONDE VEM O NOME DA BANDA? COMO VOCÊ AVALIA ESSES QUASE 20 ANOS DE ESTRADA?
O nome da banda surgiu de um brainstorm meu com o João. Queríamos um nome de uma única palavra que não tivesse qualquer significado, algo o qual as pessoas associassem exclusivamente a nós. Assim sendo, jogamos várias ideias na mesa e ficamos com Cubus sugerido pelo João. Posteriormente, descobrimos que cubus é um tipo de operação matemática, o que casou perfeitamente com toda essa coisa da música eletrônica. Em 2014, eu adicionei a trema no último “U” (Cubüs) porque surgiram lá fora vários outros artistas com o mesmo nome (todos ligados também à música eletrônica).
Eu encaro toda essa trajetória como um aprendizado e, ao mesmo tempo, uma necessidade. Hoje eu tenho ciência de que me expressar através das músicas ou criar algum tipo de ruído com o selo não é opcional e sim uma inquietação que não me permite desistir. Falando sobre coisas mais práticas e concretas, sinto que a banda se profissionalizou de alguma forma e consegui algum reconhecimento nos últimos anos (no Brasil e também no exterior), o que me permitiu tocar em locais que nunca havia pisado antes e conhecer pessoas maravilhosas. A melhor parte em ser velho é olhar para trás e reviver as pequenas conquistas acumuladas ao longo do tempo.
7 – VOCÊS USAM BASTANTE AS REDES SOCIAIS? COMO VOCÊS AVALIAM A IMPORTÂNCIA DESSAS FERRAMENTAS?
Qualquer artista surgido nos últimos 15 ou 20 anos sabe que as redes sociais são fundamentais. Para dizer a verdade, mesmo a galera mais velha também sabe disso. Por ser uma banda underground, quase que 100 % da nossa divulgação é online porque o custo é baixo e o alcance é global. Somando-se a isso, a internet permite focar em determinados nichos que serão mais receptivos ao tipo de som que você está produzindo.
O grande desafio é sempre estar atualizado em quais ferramentas utilizar, o que ainda funciona versus o que se tornou obsoleto. Além disso, a nossa mensagem também precisa mudar de tempos em tempos porque os comportamentos nas redes sociais são efêmeros e você pode cair no risco de não conectar mais com o público.
Uma dica que sempre dou para os amigos: anotem os sites ou blogs que noticiaram os músicos que vocês seguem. Muitos deles serão receptivos à sua produção e o ajudarão simplesmente porque querem somar, pessoas legais que irão te ajudar. E nunca esqueça: seja grato! O cara gastou tempo para falar de você? Então também colabore e divulgue o trabalho do cara (ou da moça), compartilhe a matéria, fale bem.
8 – QUAIS AS ESPECTATIVAS PRA DECADANCE?
Confesso que estou bastante ansioso para o Festival!!! Primeiro porque acompanho as postagens da DecaDance desde a primeira edição e sempre me pareceu ser um super evento. DJs, Bandas, Exposição, Performance… só o fato das pessoas lotarem vans para sair de SP e visitar Araras é um grande indício de que algo importante está acontecendo.
Vale ressalta também que será minha primeira apresentação em quase um ano desde que o Karlos Junior (hoje no projeto Quântico Romance) deixou o Cubüs. Depois de dois anos como uma dupla, vou me reinventar para o festival como one man band. Além das músicas presentes na última coletânea, deve rolar também o debut de algumas faixas novas que estarão no próximo álbum. Talvez toque também uma canção que não é executada ao vivo desde 2005…
9 – HOJE EM DIA MUITA BANDA NOVA NÃO LANÇA MAIS SEUS SONS EM FORMATO FÍSICO. VOCÊS ACHAM IMPORTANTE MATERIALIZAR/REGISTRAR O TRABALHO EM FORMATO CD, K7 OU VINIL? HÁ PLANOS PARA MAIS COLETÂNEAS DA PARANOIA?
Eu vivo um conflito quanto ao material físico. Sou voraz consumidor de música enquanto fetiche, um objeto que podemos admirar e possuir, mas ao mesmo tempo sou daquela primeira geração de artistas que se lançaram exclusivamente através dos MP3. Existem compradores e apreciadores dos LPs e cassetes (até dos CDs), mas o público consumidor encolheu e hoje é necessário ter muito cuidado ao produzir material físico sem ter o risco de ficar com ele encalhado e tomar prejuízo.
Contudo, o material físico possui uma importância maior para aqueles fãs que ainda o consomem. Existe uma lógica bem simples: playlists podem ser removidos e você pode perder todos os seus arquivos caso seu HD parta dessa para melhor, mas aquele CD na sua estante sempre estará lá e pode ser revisitado a qualquer momento. Então, tendo isso em consideração, acho importante lançar material físico caso esteja dentro do orçamento.
Sobre as coletâneas da Paranoia Musique certamente elas continuarão. Estou ao pouco mudando o formato e lançado coletâneas mais temáticas (como a de artistas exclusivamente nacionais ou de música eletrônica) e acredito que isso será tendência. Tenho um projeto antigo de lançar um tributo ao Saara Saara, mas ainda não encontrei uma quantidade boa o suficiente de artistas para essa empreitada. Então, caso ame a dupla tanto quanto eu e queira participar, manda um inbox no facebook.
Finalizando, gostaria de agradecer a toda equipe da DecaDance pelo convite pra participar do evento (uma grande honra, sem dúvida) e por essa oportunidade de falar um pouco sobre a minha trajetória. Continuem sendo essas pessoas foda que vocês são.
Nos vemos em julho
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